A edição de 2025 da National Retail Federation (NRF) não poderia ser mais emblemática. Batizada de “Game Changer”, a feira prometia apresentar a Inteligência Artificial (IA) como a grande virada de chave para o futuro do varejo. E, de fato, a tecnologia brilhou nos debates – mas não foi considerada a “estrela” suprema. No fim das contas, a mensagem que ficou foi: não importa se a bola é de couro sintético ou se a chuteira tem fibra de carbono – o futebol, assim como o varejo, segue com as mesmas regras.
Uma IA que deixou de ser protagonista
O primeiro dia do evento foi quase todo dedicado à IA. A NVIDIA, empresa referência em processamento e dados, exibiu soluções que prometem revolucionar a forma como os lojistas analisam e entendem o comportamento do consumidor. Entretanto, entre palestras e painéis, surgia um consenso inesperado: a IA já deixou de ser um diferencial de marketing.
As empresas perceberam que o valor está nos resultados, não no rótulo. Ou seja, não basta dizer “eu uso IA”; é preciso mostrar o que a tecnologia entrega de real para o cliente – seja em agilidade, personalização ou redução de custos.
Quando a loja física é o destaque
Em meio a um mundo cada vez mais virtual, marcas como Louis Vuitton, Hermes e Sephora reforçaram suas estratégias de experiências físicas. Para essas grifes, um ambiente de loja marcante e envolvente continua sendo o antídoto mais eficaz contra a comodidade do e-commerce e a pressão dos marketplaces.
É como se o consumidor dissesse: “Sim, eu posso comprar com um clique, mas quero sentir a marca, vivenciar algo que só acontece no espaço físico.” Essa busca pelo diferencial emocional se tornou o grande argumento de defesa do varejo tradicional.
A vertente oposta: operações enxutas ao extremo
No outro extremo, diversas marcas optaram por lojas hiperfocadas em produto, quase sem experiências adicionais. É o caso de Alo, Trader Joe’s Pronto e Lululemon: espaços onde o cliente entra, escolhe o que precisa e sai, sem rodeios.
Essa abordagem atende a um público que valoriza a velocidade e a praticidade. Mas, como quase não há “valor intangível” além do produto, a discussão de preço acaba dominando o cenário. E nesse jogo, o varejista só vence se conseguir equilibrar custos e margens de forma quase cirúrgica.
A metáfora do futebol
Para ilustrar a grande questão da NRF 2025 – se o jogo do varejo realmente mudou ou apenas ganhou tecnologias mais avançadas –, usei uma metáfora própria do futebol: não importa se você está jogando em um campinho de bairro ou em um estádio de alta performance; as regras básicas continuam as mesmas.
Só que, se um time de várzea entrar em campo contra um time de elite, as chances de goleada são grandes. As regras não mudam, mas a capacidade técnica faz toda a diferença. No varejo, é a mesma coisa: a IA e outras tecnologias são como o melhor equipamento e o melhor treinamento. Se você domina o básico e investe em evolução constante, passa de amador a profissional. Caso contrário, mesmo com toda a tecnologia do mundo, é como jogar descalço contra craques de primeira divisão.
O “arroz com feijão” do varejo
No fim, a NRF 2025 mostrou que certos pilares nunca deixam de ser essenciais. Aqui vai uma releitura do “arroz com feijão” do varejo:
- Atendimento de verdade Mais do que ser gentil, é compreender a dor e a expectativa do cliente.
- Conhecimento profundo do consumidor Entender para quem se vende e antecipar necessidades, em vez de só reagir.
- Sortimento inteligente Ter os produtos certos na quantidade certa, seja numa loja de luxo ou num modelo enxuto.
- Preço honesto e transparente Mesmo em estratégias de alta experiência, o consumidor quer sentir que está pagando por algo que vale a pena.
- Experiência e relacionamento Vender não é só transacionar. É criar um vínculo que torne o cliente fiel à marca e a recomende para os outros.
Conclusão: do hype tecnológico à volta ao básico
Apesar de todo o glamour em torno da IA, a NRF 2025 deixou claro que o verdadeiro “Game Changer” é como cada empresa aplica as inovações sem perder os fundamentos que sempre nortearam o varejo.
A tecnologia ajuda a refinar estratégias, a criar conexões ou a automatizar processos. Mas, no final do dia, quem se destaca é quem entende que o cliente continua buscando o mesmo de sempre: bom atendimento, conveniência, valor e relevância.
Pode até parecer que o jogo mudou. Porém, assim como no futebol, as regras essenciais seguem intactas – só fica para trás quem esquece de praticar o famoso “arroz com feijão”.
Caio Camargo
Especialista em varejo, Consultor e Host do VarejoCast