A proteção do trabalho da mulher à luz da consolidação das leis do trabalho, por Regina Queiroz

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Contextualizando o tema: 

Historicamente as mulheres foram compelidas a assumir negócios e postos de tralhado, em razão das lacunas abertas pelas guerras que levaram homens para a frente de batalhas. E, por conta dessa necessidade, as mulheres tiveram que aprender conciliar a gestão de suas casas, buscando no mercado de trabalho o sustento de sua família. 

Posteriormente, com a evolução da sociedade em vários países, inclusive no Brasil, normas legais surgiram com o intuito de disciplinar as relações de trabalho, procurando adequá-las às necessidades da época. 

Nesse sentido, com o objetivo de reunir em uma única legislação, inúmeros desses direitos assegurados aos trabalhadores homens e mulheres, foi que o Brasil decidiu por editar o Decreto Lei nº 5.452, em 1º de maio de 1943, norma esta conhecida por CLT. 

A Consolidação das Leis do Trabalho nasceu, não só da necessidade de se estabelecer direitos e obrigações para empregados e empregadores, mas também para incorporar a estes as inúmeras reivindicações oriundas de movimentos sindicais. Era, no entanto, uma realidade de 1943. 

Hoje, alguns desses direitos e obrigações foram atualizados por novas leis, inclusive a Lei nº 13.467/2017 (Reforma Trabalhista), com o objetivo de se observar a realidade vivenciada pelos novos tempos e costumes da sociedade. 

Entretanto, outros direitos ainda continuam caminhando na contramão dessa realidade, vivenciada especialmente pela mulher brasileira. Apesar da desigualdade no tratamento de direitos ser vedada pelo artigo 5º, Inciso I da Constituição Federal vigente, que estabelece que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”, ainda encontramos alguns dispositivos celetistas sendo preservados e declarados como vigentes atualmente. 

A afirmativa é verdadeira, na medida em que se observa que, apesar da Lei Maior do país vedar a distinção de direitos e obrigações entre homens e mulheres, a aplicação do artigo 386 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT ainda é entendido pelo Judiciário como devido, ao argumento de que está inserido num capitulo celetista destinado à proteção do trabalho da mulher. 

O que diz o artigo 386 da CLT: 

“Havendo trabalho aos domingos, será organizada uma escala de revezamento quinzenal, que favoreça o repouso dominical.” 

Significa dizer que a empregada mulher que trabalhe num domingo deverá, obrigatoriamente, folgar no domingo subsequente. 

Esse direito estabelecido na CLT em 1943 está inserido no seu Capítulo III que trata da Proteção do Trabalho da Mulher. 

Vale, no entanto, destacar que a Lei nº 11.603/2007, que alterou o artigo 6º da Lei 10.101/2000, assegurou que o repouso semanal remunerado deverá coincidir, pelo menos 1 (uma) vez no período máximo de 3 (três) semanas, com o domingo, respeitadas as demais normas de proteção ao trabalho e outras a serem estipuladas em negociação coletiva. 

Ocorre que, inobstante o determinado nas referidas leis ordinárias, a Lei Maior do país é a Constituição Federal. E esta, assegura no inciso I do Art. 5º., que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”, de onde se extrai o princípio constitucional da isonomia entre os gêneros. 

Veja que a Constituição Federal, desde 1988, já reconheceu a importância das mulheres no mercado de trabalho, identificando que sua condição já era muito diferente do ano de 1943 quando foi editado o Art. 386 através da CLT. 

Hoje, não há como negar que as mulheres, em grande número, são as gestoras de seus lares, ou seja, ocupam funções que lhe proporcionam garantir o sustento de suas famílias. Sendo assim, não deveriam sofrer qualquer restrição no exercício de tais funções ou de oportunidade no mercado de trabalho, eis que estão sujeitas às mesmas obrigações, entretanto, em desarmonia com as condições que lhe são impostas sob a alegação de “direitos”. 

Somado a tal entendimento, vale destacar as informações divulgadas pelo IBGE, senão vejamos:

“Em 2022, 49,1% dos responsáveis por domicílios brasileiros eram mulheres. O número representa um aumento em relação a 2010, quando 38,7% dos lares tinham liderança feminina. 

Eram mais de 36,6 milhões de lares com mulheres como responsáveis em 2022. Ao todo, o Brasil tem 72,5 milhões de unidades domésticas — como são chamados os domicílios particulares. O número representa quase a metade dos domicílios brasileiros administrados por mulheres.” (IBGE)  

O IBGE continua afirmando que: 

“O que os dados mostram tem a ver com envelhecimento da população. Além disso, pessoas mais velhas morando sozinhas. A gente pode ter um intervalo maior nos casamentos, casamentos mais tardios, pessoas que não se casam. São padrões comportamentais, de formação de família, que mudaram bastante desde 2010, conforme declaração de Márcio Mitsuo Minamiguchi, gerente de Estimativas e Projeções de População do IBGE. (Link)

Neste sentido, entendemos que a manutenção do artigo 386 da CLT não se coaduna com a realidade de hoje e fomenta a desigualdade de oportunidades de emprego, porque a opção entre um homem e uma mulher para a ocupação de uma determinada vaga no mercado de trabalho, pode, eventualmente, apresentar como critério de desempate não só a competência do candidato, mas sim as condições legais que lhe permita a efetiva realização do trabalho. Nos parece que a manutenção do artigo 386 contraria, inclusive, as políticas atuais do próprio governo, ao fomentar a igualdade de salários entre homens e mulheres, a exemplo do que dispõe a Lei 14.611/2023. 

Por outro lado, é necessário destacar que não estamos incentivando a precarização de qualquer direito da mulher, pelo contrário, mas sim a igualdade de tais direitos e condições quando tiverem que exercê-los no mercado de trabalho. Entendemos que a busca da adequação das leis trará a trabalhadora mulher igualdade social e, consequentemente, maior dignidade no exercício de suas funções laborais. 

Dizem que “A MULHER DEVE ESTAR ONDE ELA QUER”, mas não é isso que a legislação atual lhe permite ou proporciona. Porque ela não poderá estar no mesmo lugar quando tiver que exercitar seu trabalho em condições idênticas com os demais trabalhadores, especialmente quando seu local de trabalho ofertar oportunidade de salário maior através de comissões em vendas, por exemplo, ou quando tiver que ocupar um cargo de liderança em que lhe exigirá presença no mesmo tempo de trabalho permitido aos homens.

Entretanto, até que se tenha alteração legislativa, a jurisprudência tem entendido que o artigo 386 da CLT está vigente e deve ser observado pelas empresas, evitando, assim, eventual passivo trabalhista.

Regina de Almeida Queiroz
Assessora Jurídica Acats/Singa

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